quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

IL DIVO: E não se pode exterminá-los?...

Eu devo viver realmente numa twilight zone... Só há relativamente pouco tempo tive conhecimento da existência desta gentinha. Diria que não há mais de um ano.

Conhecê-los não foi um prazer, foi bem mais razão para náuseas. Como se não nos bastasse já o Andrea Bocelli, santo nome de Deus! Naturalmente, votei-lhes acto contínuo um ódio feroz. Que dizer de um grupinho de quatro flausinos com ar de manequins Armani da feira de Carcavelos, a comporem um ar matador que estimule o mulherio sem qualquer gosto ou mero bom-senso musical a ir a correr comprar-lhes os disquitos? Nanja eu! Antes os nacionais Carlos Guilherme e o seu Quando o Coração Chora de Amor, ou o Vítor Espadinha com o inolvidável Recordar É Viver. Pelo menos conseguem arrancar-me um sorriso de troça amigável. Estes põem-me a ranger os dentes.

Pois há pouco, estando eu aqui de volta do computador e de televisão ligada, oiço de repente uma música que me soou familiar. Voltei-me, interdita, só para confirmar as minhas piores suspeitas. Eram eles, a brindarem-nos com a sua interpretação de um eterno clássico: Nights in White Satin, dos Moody Blues (1967). A música que, numa lista das 250 melhores de sempre do pop/rock feita pela Melody Maker em 1980, ficou em 1.º lugar. Por muito que goste dela - e gosto -, discordo, mas enfim... Aliás o Victor ainda se lembra de alguns ataques de mau génio que na época tive, quando diariamente acompanhávamos a progressão da lista no Rock em Stock.

Ai que nervos! Ai que ódio! Se estivesse na minha mão, punha-lhes a cabeça a prémio.
Recompensa? Um objecto de arte em gesso verdadeiro - não valem mais.

A única coisa que me alegra é saber que daqui a dez anos ninguém se lembrará deles. Lembro-me da saída do Thriller de Michael Jackson, de o meu namorado de então, pessoa de gosto musical execrável - inexistente, melhor dizendo -, o pôr nos píncaros, atirar-me triunfante com os milhões de exemplares que já tinha vendido. Eu limitei-me a dizer friamente que daí a vinte anos ninguém compraria o disco, mas que Leonard Cohen continuaria, ano após ano, a ter quem comprasse o Songs of Leonard Cohen, o Songs from a Room ou o Songs of Love and Hate. Tempo perdido, claro está, que ele não sabia nem desconfiava quem fosse o senhor.

Os vinte anos passaram. Leonard Cohen continua a vender. Porque o Tempo é o grande nivelador. A estreia da Traviata no La Fenice foi um fiasco, como Verdi confessava amarguradamente a um amigo numa carta hoje célebre, acrescentando: «Culpa minha? Dos cantores? O tempo o dirá.» O Tempo, uma vez mais, teve a última palavra.

sábado, 20 de janeiro de 2007

Every Day a Little Death...

O Denny Doherty morreu ontem. Só tinha 66 anos.

Quando recebi o
mail do Victor com a notícia, a primeira coisa que me ocorreu foi este título do Sondheim no A Little Night Music. Mozart e os Beatles são os meus amores inquestionáveis. E depois há os Simon & Garfunkel e os Mamas & Papas.


Já só resta a Michelle. Gostaria de saber pôr música aqui para poder partilhar a música deles que é de todas a minha favorita (sim, ainda mais do que o California Dreaming). Safe in My Garden. Linda, linda... É deste disco, para mim o melhor de todos.

O John era o compositor. O Denny tinha aquela voz magnífica.

R.I.P.


O Fascínio das Marcas

Foi em Paris, há uns cinco anos. Foi seguramente uma das coisas mais bizarras que até hoje me aconteceram.

Saí do hotel por volta das onze da manhã, com as ideias muito arrumadinhas. Ia à Fnac dos Campos Elísios (ai, o 202 e A Cidade e as Serras, livro que à medida que vou envelhecendo vai sendo uma paixão maior para mim, o último livro do Eça da minha paixão, livro póstumo, e a maravilhosa serenidade que transparece na parte das serras, e que me assegura que ele teve um fim de vida feliz) procurar alguns discos que insistiam em fugir-me, tomava depois um táxi para o hotel Costes, onde ia almoçar com o Artur - só para nós, que ninguém nos ouve: come-se bem, mas as mesas são minúsculas e desconfortáveis; tive dificuldades em encaixar o meu diminuto 1,63 m de maneira satisfatória. Há tempos ri imenso com o meu amigo João Paulo, que também lá foi e se queixou exactamente do mesmo.


A Avenue Montaigne é aquela perdição que se sabe. Marcas, marcas, marcas. Valentino, Dior, Prada, Porthault (aqueles lençóis!), a venerável Coty na esquina com a Francisco I - onde fica o Fouquet e eu quase me arruinei em chás, que aquele Tarry Souchong anda muito perto de ser uma experiência mística, e a John Lobb. Pois foi justamente nessa esquina que fui abordada por dois orientais.


Não querendo ser politicamente incorrecta... a verdade é que não os distingo. Sei lá eu se são chineses, japoneses, coreanos ou vietnamitas! Aqueles disseram-se chineses. Um casal. Eu devo ostentar um enorme TANSA escrito na testa e bem visível para vigaristas. Foi por isso que aqueles dois me escolheram. E que queriam eles? Que eu lhes comprasse uma carteira (quanto às pessoas que dizem
mala, mais valia não terem nascido) na Louis Vuitton, uns metros adiante. Uma qualquer, desde que no padrão com monograma, igual ao sacão que vai para toda a parte comigo, que está velhinho e estafado mas onde cabe tudo e mais um par de botas.

Fiquei perplexa. Paris, mundo livre...
hello? Por que raio precisavam eles da minha ajuda? Explicaram-me que a Vuitton não vendia mais de três artigos a cada pessoa. Compadeci-me daquela chinésida endinheirada que tinha esgotado a sua quota de Vuittons. Sem saber no que estava a meter-me, aceitei o molho de notas que me passaram para as mãos, julgo que coisa de 200 contos, à época. Não me custava nada, pois não? Entrava na loja, comprava uma carteira qualquer e fazia a felicidade da pequena. Iria para o meu registo de boas acções, que bem precisava de alguns créditos.

Entrei na loja. Primeira surpresa: precisava de uma senha com número. Fui recebida com uma amabilidade fora do vulgar (a antipatia dos empregados das lojas parisienses é tristemente célebre), até me ofereceram uma
flûte de champagne para entreter a espera, coisa um pedaço despropositada se considerarmos a hora. Mas tomei mentalmente nota. Ficando a loja a poucos metros do hotel, umas visitinhas à tarde seriam futuramente de considerar, que eu adoro champagne! Esperei e esperei. E continuei a esperar. Já estava a rosnar para dentro e de cabeça perdida quando finalmente me chamaram e levantei o rabo da cadeira em que estava instalada.

Quando entrei na loja propriamente dita fiquei estarrecida. Nunca tinha visto uma coisa assim. A olho desarmado, os únicos ocidentais éramos eu e os empregados. Bem podíamos estar em Xangai, ou em Tóquio, eram só caras de limão. Volto a pedir desculpa por estar a ser politicamente incorrecta, mas é que só consigo lembrar-me dos livros de Lucky Luke. Fui atendida por uma empregada amorosa (devia estar farta de orientais, eu era uma lufada de ar fresco). Querem saber? Não havia NADA!!!! Como aquela gente quer comprar coisas visivelmente de marca, não havia NADA com o famoso padrão do monograma. E eu já tinha desperdiçado perto de uma hora da minha manhã.
Valeu-me uma caramela oriental no balcão ao lado, que à última hora desistiu de uma carteira que estava a ver (por acaso era giríssima). Consegui ficar com a carteira, queria despachar-me, fui pagar.

Nova surpresa. Por razões de segurança, só aceitavam dinheiro até um determinado montante - acho que rondava os cem contos, foi antes do euro. A TANSA (eu, lembram-se?), que já tinha perdido tanto tempo, pagou melancolicamente a diferença com o cartão de crédito e conseguiu finalmente sair dali.
Eis-me novamente na rua, no passeio em frente da loja. Dos chineses nem rasto. Esperei uns bons dez minutos, pior do que uma bicha. Os meus paizinhos deram-me uma boa educação, inculcaram-me sólidos valores, entre eles a honestidade. Depois daquela estúpida manhã estupidamente gasta numa estúpida de uma loja a comprar uma estúpida carteira para uns estúpidos de uns chineses, vacilou tudo. Dou-lhes mais cinco minutos. Se estes anormais não aparecerem arranco com o raio da carteira, que até é gira que se farta e me vai dar um jeitão. E eles que vão para o diabo que os carregue!

Apareceram, quando eu já me dispunha mesmo a mandá-los para as urtigas. Só queria que vissem a voracidade com que rasgaram o lindo saco, o papel castanho do embrulho, coisas que eu guardo religiosamente. Nem me viram os dentes, passei-lhes o recibo da compra e ressarci-me da diferença, esquecendo-me de que no meu cartão de crédito ia ser debitada uma comissão por compras no estrangeiro. Convidaram-me para tomar um café e mandei-os à fava o mais delicadamente que consegui. A minha manhã estava arruinada, tinha tempo à justa para me enfiar num táxi e ir para o Costes. Que ódio!!!


Contei esta história a algumas pessoas. Quase todas acharam que eu tinha passado dinheiro falso (o Artur, sempre dramático, queria avisar a Interpol). Fiquei mais descansada quando a contei na Vuitton de Lisboa, de uma vez que lá fui comprar a recarga para o Filofax. As meninas da loja são uns amores e tratam-me como se eu fosse ali gastar fortunas, fazendo vista grossa ao facto sobejamente evidente de ser uma perfeita pelintra. É mesmo verdade que eles põem restrições ao número de artigos que vendem a
certos clientes. A explicação é nebulosa, passa por coisas como mercado paralelo e assim.

E os chineses?
- perguntarão. Dois ou três dias depois saí novamente do hotel pela manhã e virei à esquerda, a caminho dos Campos Elísios. Lá estavam eles, com um ar furtivo. Encarei-os bem de frente e disfarçaram. A TANSA (eu) já dera o que tinha a dar, estavam à procura de nova vítima. Talvez devesse ter feito uma escandaleira, mas resolvi não perder ainda mais tempo.

Foi a partir daí que comecei a reparar mais no fascínio que certas pessoas parecem ter por marcas. Em Paris é gritante. Experimentem olhar não para as pessoas com quem se cruzam, mas para os sacos que transportam. Se ostentarem nomes como Hermès, Vuitton, Valentino e quejandos, desloquem o olhar para as trombas do(a) transportador(a). As probabilidades de ser oriental são mais que muitas, eu diria oito em dez. Eu própria (mea culpa) tenho um culto apaixonado por alguns artigos de marca. Os carrés Hermès (tenho alguns). A minha Montblanc. Os xales da Nina Ricci (não tenho). O papel de carta da Smythson de Londres, que não tem rival. E continuam a ter sobrescritos forrados, coisa que em Portugal não se encontra vai para mais de vinte anos. A famosa Kelly Bag (que não tenho).

Há uns largos anos, estava em Madrid e estava razoavelmente endinheirada. Disse para com os meus botões
Maria Teresa, não passa de hoje, vais comprar o raio da carteira. E vais comprar o relógio da Chanel que o Miguel te deu antes que ele perceba que o perdeste! Yeah, right! A Kelly Bag custava (em 1994) 520 mil pesetas, o que andaria à volta de 600 contos, câmbio da época. Estou a falar da simples, básica, em cabedal. Podia tê-la comprado, na altura ainda não havia lista de espera. Agora há. Seis meses para uma Kelly, dois anos para uma Birkin - informação da Hermès das Bal Harbour Shops em Miami, onde apresentei ao Victor um dos amores da minha vida, a tal Kelly. Por acaso até tenho uma boa cunha, teria a carteira no dia seguinte.

A história do relógio ainda é mais aflitiva. Entrei na Chanel, na Ortega y Gasset. Lá estava o dito. Eu estava sóbria, eles não deviam estar. Aquela bodega custava quase 300 contos! Um relógio de costureiro! Por mais que o Miguel tenha sido o grande amor da minha vida, por mais que me sensibilize que me tenha dado um presente tão bonito (o relógio era lindo, verdade seja dita), achei um atentado à minha inteligência gastar tanto com um relógio de costureiro. Relógios são Omega, Patek Philippe, International, Breguet, Franck Muller, Rolex e assim. Não são seguramente Chanel, ou Dior, ou Burberry. Resignei-me a contar-lhe a verdade, a confessar-lhe que tinha perdido o raio do bicho no Algarve, por causa do fecho escangalhado.